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Terpenos da cannabis: o que são e por que importam?

Quando se fala em cannabis, é comum pensarmos logo nos canabinoides e nas famosas siglas THC e CBD. Mas, além dessas substâncias, a maconha contém cerca de 140 compostos de outras classes bem menos conhecidas: os terpenos e terpenoides, responsáveis — dentre outras coisas — pelo aroma e fragrância da planta. Nesse post, vamos te explicar o que são e para que servem os terpenos, terpenoides e também flavonoides. Abaixo, você pode ver o índice do texto e clicar na parte que te interessa:

O que são terpenos?

Terpenos são substâncias químicas lipossolúveis (se dissolvem em gorduras) responsáveis pelo cheiros das coisas — inclusive da maconha — e podem ser encontrados em diversos lugares da natureza. Os terpenos podem causar efeitos variados nos seres humanos, atuando especificamente nos receptores e neurotransmissores do cérebro. Exercem o papel de inibidores da captação de serotonina e aumentam a atividade da norepinefrina, e dessa forma podem ter um efeito semelhante ao de alguns antidepressivos, como a Fluoxetina e a Amitriptilina. Dito isso, pesquisas mais minuciosas são necessárias para determinar com maior precisão quais terpenos são mais indicados no tratamento de quais doenças.

Terpenos também atuam como “blocos” na construção de moléculas químicas mais complexas, como hormônios, pigmentos, esteróis e mesmo canabinoides. Quando falamos de cannabis, seus terpenos são sintetizados nas células secretoras que ficam dentro dos tricomas glandulares (saiba o que são tricomas aqui), e a produção deles aumenta de acordo com a exposição à luz. O óleo essencial de terpenos é produzido a partir de métodos como a destilação a vapor ou vaporização. Alguns terpenos são mais voláteis que outros, mas a maioria evapora em torno da mesma temperatura que o THC (157ºC). Os terpenos desempenham uma função básica nas plantas: atuando como proteção contra bactérias, fungos, insetos e outras ameaças ambientais.

Terpenos ou terpenoides?

Flor de maconha vista bem de perto.

Os efeitos cognitivos da cannabis na mente humana são comumente atribuídos aos seus canabinoides — notavelmente o delta-9-tetraidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD), compostos químicos mais estudados da planta por serem considerados seus principais componentes. Com isso, diversas outras substâncias terapêuticas da maconha continuam sem receber a devida atenção. É o caso dos terpenos e terpenoides.

Quimicamente falando, terpenos e terpenoides não são a mesma coisa: enquanto terpenos são hidrocarbonetos (feitos unicamente de carbono e hidrogênio), os terpenoides são terpenos que passaram por um processo de desnaturamento, como a oxidação (secagem e cura das flores da maconha). Além deles, outra classe de substâncias que merece atenção são os flavonoides.

O que são flavonoides?

Os flavonoides são uma das maiores famílias de nutrientes conhecidos pela ciência e incluem mais de 6.000 membros já identificados. Cerca de 20 destes compostos, incluindo apigenina, quercetina, canaflavina A e canaflavina B (que até agora só foram encontrados na cannabis), β-sitosterol, vitexina, isovitexina, kaempferol, luteolina e orientina foram identificados na maconha.

Os flavonoides são conhecidos por seus benefícios antioxidantes e anti-inflamatórios, bem como pela contribuição de cores vibrantes nos diversos alimentos que consumimos (por exemplo, o azul no mirtilo ou o vermelho na framboesas).

Imagem contendo o nome de diferentes "famílias" de flavonoides.
Alguns exemplos de flavonóides

Alguns flavonoides extraídos da cannabis tiveram seus efeitos farmacológicos testados. As descobertas clínicas são promissoras, mas são necessárias pesquisas adicionais para entender completamente o papel que essas substâncias desempenham em contexto de tratamento com cannabis. Especificamente, é preciso estudar melhor como os flavonoides interagem com os canabinoides, interferindo de maneira positiva ou negativa em seus efeitos.

Aplicações terapêuticas dos terpenos da cannabis

Pessoa pingando gotas de óleo embaixo da língua.

Quando distinguimos as variedades de cannabis pelo cheiro, é o perfil de terpenos da planta que está nos guiando. Essa diferença entre terpenos também pode explicar porque pessoas com condições médicas parecem se beneficiar mais de uma cepa ou de outra, mesmo que elas possuam níveis similares de THC ou CBD, como indicam alguns estudos sobre os efeitos medicinais dos terpenos¹. É por isso que, frequentemente, pacientes da cannabis medicinal pedem para cheirar a flor ao selecionar o medicamento: o aroma desempenha um papel chave na identificação de diferentes linhagens canábicas e seus possíveis efeitos terapêuticos.

O número de estudos que indicam que os terpenos da cannabis possuem propriedades terapêuticas é grande²³ — essa pesquisa realizada por CARLINI et al. em 1974, e publicada no British Journal of Pharmacology, é um bom exemplo. De acordo com o trabalho, pode haver potenciação (uma forma de plasticidade sináptica que é reconhecida como importante para a aprendizagem e a memória) dos efeitos do THC por outras substâncias presentes na cannabis, como os terpenos. O estudo “duplo-cego” descobriu que cepas distintas de cannabis com níveis iguais ou mais altos de CBD e CBN (uma versão menos sedativa de THC que se degradou) do que THC induziram efeitos duas a quatro vezes maiores do que o esperado do THC sozinho. Os efeitos do consumo de uma cepa com duas vezes mais THC não foram diferentes do placebo.

Indícios científicos dos efeitos dos terpenos da cannabis

Camundongo branco em um laboratório em cima de frascos químicos.

Os resultados dos estudos de Carlini et al. foram reforçados por um estudo feito por Wilkinson et al. para determinar se há alguma vantagem em se utilizar extratos de cannabis “full spectrum” (SCE) em comparação com o uso de THC isolado. Um extrato de cannabis full spectrum, outro com THC puro e outro somente com CBD foram testados em um camundongo modelo com esclerose múltipla (MS) e um com epilepsia.

Os cientistas descobriram que o extrato full spectrum inibiu a espasticidade no modelo MS para um nível comparável ao do THC isolado, além de causar mais rapidamente o relaxamento muscular do que o THC puro. O CBD não causou inibição da espasticidade. Já no modelo com epilepsia, o full spectrum foi um anticonvulsivo muito mais potente e, mais uma vez, mais rápido do que o THC isolado; entretanto, neste modelo, o CBD também exibiu atividade anticonvulsivante.

Apesar disso, o CBD puro não inibiu as convulsões, nem modulou a atividade do THC. Assim, no que diz respeito a algumas ações da cannabis (por exemplo, anti-espasticidade), o THC era o constituinte ativo de fato, que poderia ser modificado pela presença de outros componentes. Dito isso, para outros efeitos (por exemplo, propriedades anticonvulsivas), o THC, embora ativo, pode não ser imprescindível para o efeito observado. Acima de tudo, estes resultados demonstraram que nem todas as ações terapêuticas da erva cannabis são devidas ao teor de THC.

Terpenos da cannabis e o Efeito Entourage

Esses estudos apontam que os efeitos terapêuticos da cannabis não estão ligados somente aos canabinoides, como o THC e o CBD, mas que outros componentes químicos — como os terpenos e terpenoides — podem potencializar a ação medicinal da erva, inibindo eventuais intoxicações e produzindo uma “sinergia fito-canabinoide-terpenoide”, mais conhecida como Efeito Entourage ou Efeito Comitiva. Essa sinergia aumentaria a eficiência terapêutica de vários tipos de tratamentos, incluindo dores, inflamações, infecções, depressão, ansiedade, epilepsia e mesmo câncer.

Desenho representando a interseção dos efeitos do THC, CBD e os terpenos.

Terpenos da cannabis e seu cultivo

Por conta da crescente conscientização de seus efeitos terapêuticos, os terpenos têm progressivamente recebido mais atenção da indústria da cannabis. Um exemplo disso é a análise espectral feita pela Green House Seeds Co., onde foram identificados os terpenos presentes em cada uma das linhagens de maconha catalogadas e, a partir daí, foi desenvolvida a roda de sabores a seguir:

Círculo contendo os diferentes tipos de terpeno e seus respectivos aromas.

Esses possíveis efeitos são corroborados por Casano et al. (2011), que dizem que existe uma grande variação de terpenos entre uma e outra fontes de maconha medicinal, e até mesmo entre uma colheita e outra. Alguns dos terpenos mais facilmente identificáveis e populares devido ao particular aroma incluem:

  • Mirceno, com um cheiro que lembra almíscar/cravo, produzindo sensações sedativas e relaxantes;
  • Pineno, cujo aroma remete ao pinho, promovendo alerta mental e maior retenção de memória; e
  • Limoneno, com uma fragrância cítrica que alude o limão, apreciado pelo favorecimento a uma elevação geral no humor e atitude.

Outros diversos terpenos encontrados na cannabis incluem: cariofileno, linalol, terpinoleno, canfeno, terpinol, felandreno, careno, humuleno, pulegona, sabineno, geraniol, entre outros diversos de menor incidência.

Além dos terpenos, existe um terpenoide que também merece menção: o beta-cariofileno, que é associado ao CB2 (um ingrediente ativo da cannabis) e demonstrou notáveis efeitos anti-inflamatórios e antioxidantes.

Conclusão

Este post teve como objetivo esclarecer a contribuição que o mapeamento preciso e democrático dos terpenos traz para pacientes de maconha medicinal, cuidadores e cultivadores. A partir disso, fica mais fácil manipular os efeitos terapêuticos de cada substância, situação em que inúmeros caminhos frutíferos e cientificamente embasados para o desenvolvimento de novas linhagens canábicas podem ser planejados e trilhados.

Por fim, lembramos que a potência dos terpenos presentes na cannabis é relativa aos níveis de intensidade luminosa que ela recebe. Há evidências científicas de que a potência dos terpenos — principalmente o mirceno, limoneno e cariofileno — aumentou em ≈25%, conforme o PPFD subiu de 130 para 1.800 µmol m2s –1,o que poderia levar a aromas aprimorados e maior qualidade do cultivo de cannabis. Aqui oferecemos algumas opções de iluminação ideal para sua planta.

Sobre o Autor:

Meu nome é Carlos Eduardo, paciente de Cannabis Medicinal e sócio fundador da Cultlight, empresa especializada em iluminação para horticultura e cultivo indoor. Pra quem já me conhece do Instagram ou do YouTube, eu sou o Cadu da Cultlight. Sou Engenheiro de Produção formado na Universidade Federal Fluminense (UFF), onde pesquiso sobre de Cannabis, cultivo, produção e autoprodução, principalmente com o foco medicinal. Te convido a acompanhar nossos conteúdos nas redes sociais para ter acesso a mais dicas e conteúdos técnicos gratuitos sobre cultivo de maconha!

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Esse texto é uma adaptação do original de autoria de Kroma Labs, especialista em soluções para o mercado canábico.

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Referências bibliográficas

¹ PERVEEN, S. Introductory Chapter: Terpenes and Terpenoids. IntechOpen eBooks, 2018

² WILKINSON, J. D. et al. Medicinal cannabis: is Δ9–tetrahydrocannabinol necessary for all its effects?. Journal of Pharmacy and Pharmacology, v. 55, n. 12, 1687-1694, 2003

³ CARLINI, E. A. et al. Effects of Marijuana in Laboratory Animal and in Man. British Journal of Pharmacology, v. 50, n.2, 299-309, 1974

⁴ RUSSO, E. B. Taming THC: potential cannabis synergy and phytocannabinoid-terpenoid entourage effects. British Journal of Pharmacology, v. 163, n. 7, p. 1344–1364, 2011

⁵ CASANO, S. et al. Variations in Terpene Profiles of Different Strains of Cannabis sativa L. Acta Horticulturae, v. 925, n. 925, 115-121, 2011

⁶ GERTSCH, J. et al. β-Caryophyllene ameliorates cisplatin-induced nephrotoxicity in a cannabinoid 2 receptor-dependent manner. Free Radical Biology and Medicine, v. 52, n. 8, 1325-1333, 2012

⁷ EAVES, J. et al. The relationship between light intensity, cannabis yields, and profitability. Agronomy Journal. v. 112, n. 2, 1466-1470, 2020

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