Legislação da Cannabis

Habeas Corpus Preventivo e o Cultivo de Cannabis Medicinal

Como anda o processo de descriminalização e legalização da maconha medicinal no Brasil? Essa foi a pergunta que motivou o tema de hoje no nosso blog. Cada vez mais, brasileiros e brasileiras vêm apelando ao judiciário e obtendo um respaldo legal – um habeas corpus preventivo – para cultivo doméstico de Cannabis medicinal. Por que isso acontece e quais as consequências?

Os tratamentos feitos à base de maconha já são bem populares onde a planta foi legalizada . Seus positivos efeitos terapêuticos são bem conhecidos pela população. Diversas patologias são reconhecidamente tratáveis com a erva, como autismo, epilepsia, Alzheimer, depressão, ansiedade e enxaqueca crônica.

O cenário brasileiro para esses tratamentos também vem avançando. Mas, em comparação a outros países, mesmo vizinhos como o Uruguai, nosso progresso ainda é lento. De acordo com uma reportagem de 2020 da BBC Brasil, a legalização da maconha aqui ocorre de maneira “silenciosa”. 

Silenciosa porque, ainda hoje, a maconha e seus usuários são vistos com muito preconceito. Tanto pela sociedade quanto pelo sistema judiciário e criminal brasileiro. 

A lógica proibicionista ainda impera na legislação brasileira. Ainda assim muitas pessoas vêm cultivando a erva em casa. Isso não é surpresa, considerando a quantidade de material sobre cultivo disponível online, inclusive aqui no nosso blog.

A novidade é que agora as pessoas estão conseguindo respaldo legal para seus cultivos. Dentre as ferramentas, uma das mais comuns é o chamado habeas corpus preventivo, no qual o grower consegue autorização prévia no judiciário brasileiro para o cultivo caseiro da sua Cannabis medicinal.

Desde 2006 já é previsto o plantio de cannabis para uso medicinal e científico no Brasil, por meio da lei 11.343, a chamada Lei de Drogas, aprovada no governo Lula. Contudo, pelos próximos 10 anos, pouco se avançou em sua regulamentação. 

Apenas em 2016 sairia o primeiro habeas corpus preventivo para cultivo de maconha medicinal no Brasil, como nos conta essa reportagem da UOL. Em novembro daquele ano, a advogada Margarete Brito oficialmente obteve respaldo judicial para plantar a erva em casa. A razão disso era para tratar sua filha Sofia, que tem a síndrome CDKL5, causadora de convulsões sucessivas. De acordo com Margarete, sua filha tem menos da metade das convulsões desde que passou a usar o medicamento. Tal resultado nunca tinha sido alcançado com os remédios convencionais disponíveis no mercado.

É interessante observar o crescimento vertiginoso que tem ocorrido no número de casos que apelaram ao judiciário para obter essa permissão. Em 2017, a reportagem da UOL nos informa que, até aquele momento, três famílias haviam obtido habeas corpus preventivos para cultivo de Cannabis medicinal. Até julho de 2020, segundo a outra reportagem da BBC, eram 95 cultivos autorizados por essa via no país.

Consultamos o advogado Ricardo Nemer, membro e cofundador da Rede Reforma, coletivo de juristas especializados em políticas de drogas. Nemer estima que atualmente, em 2022, já existam por volta de 500 salvo-condutos para plantio no país. 

Analisar o aspecto jurídico da questão pode nos ajudar a compreender quais as possíveis vias para esse debate no país. Na Constituição Brasileira, está previsto no artigo 5º, LXVIII da Carta Magna, que

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXVIII – conceder-se-á “habeas corpus” sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;

Quer dizer, essa doutrina vai dividir o habeas corpus em duas modalidades: repressiva (liberatória) ou preventiva. Esta última utilizada pelos cultivadores de Cannabis medicinal. Isso porque tal conduta – o plantio – está intimamente ligada ao risco iminente de prisão: uma ameaça de violência à liberdade de ir e vir. 

Em sua monografia de 2021, o autor Cássio Vidotto analisa 53 decisões de 2º grau referentes à habeas corpus preventivos para cultivo de Cannabis medicinal. Ele descobriu que 38 delas, ou 72%, concederam a permissão legal aos pacientes e familiares para plantar a planta. 

A conclusão, como podemos observar com esses casos recentes, é que na maioria dos casos os magistrados se põem ao lado da saúde dos pacientes. Frequentemente isso implica em soluções criativas na imposição de condições para o plantio. Limitação do número de plantas, elaboração de relatórios para controle das autoridades e impedimento que os restos da produção sejam descartados em lixo comum. Esses são alguns exemplos de requisitos para aqueles que obtiveram um habeas corpus preventivo para cultivar Cannabis medicinal

Ainda faltam muitos avanços e ainda prevalece em alguns casos a lógica punitivista de proibicionismo e guerra às drogas, como verificado por Vidotto em sua pesquisa. Contudo, é possível identificar nesses casos uma tendência da sociedade brasileira a se tornar mais aberta com relação ao uso medicinal da Cannabis. Pesquisas vindouras hão de comprovar ou desmistificar essa tese, bem como esclarecer quais os impactos que o habeas corpus preventivo vai desempenhar na descriminalização e legalização da maconha no Brasil.

Related Posts

4 pensamentos sobre “Habeas Corpus Preventivo e o Cultivo de Cannabis Medicinal

  1. Cadu disse:

    acho q faltou falar sobre como tudo isso acaba excluindo tb os usuarios recreativos

    como o HC é mais focado em pacientes o recreativo nao é pensado

    1. Theo Moraes disse:

      é verdade cadu. o texto é mais direcionado para o caso da maconha medicinal mesmo. mas ainda assim acho interessante notar que muitas vezes o uso de cannabis por pacientes acaba virando um pretexto, uma “porta de entrada”, para a discussão sobre a maconha recreativa. tenho fé que o futuro é otimista!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *