Fruto Proibido: a relação humana com drogas ao longo da história
A relação humana com o consumo de drogas possui muitas faces ao longo da história, com diversos exemplos de sociedades que apreciavam os usos medicinais, religiosos e recreativos de certos entorpecentes enquanto proibiam outros.
Uma longa história
As ações arbitrárias e truculentas impostas para proibir o acesso às drogas na contemporaneidade são um reflexo de preconceitos, crises públicas e jogos políticos de um período bem específico da história.
Para compreender como chegamos no ponto que estamos hoje em dia, é necessário entender as relações históricas com o abuso de substâncias e como elas acabaram se tornando um problema tão grande para as lideranças mundiais.
Observar os hábitos das sociedades pré-industriais nos leva a entender o profundo conhecimento que possuíam sobre os benefícios e malefícios envolvidos no consumo de drogas.
Onde tudo começou
O uso de medicina natural é identificado nos indícios arqueológicos mais antigos que conseguimos investigar. Ötzi, homem que viveu por volta de 3300 A.C, foi achado congelado nos Alpes Italianos e possuía em sua bolsa de couro um cogumelo Chaga, presumidamente utilizado por suas propriedades anti-helmínticas (que ajudam no combate e prevenção de parasitas).
Drogas psicotrópicas, como o chá de Ayahuasca dos nativos americanos e o incenso de sacerdotes judeus, facilitam o contato dessas comunidades com o divino, às vezes sendo essenciais para a realização de cerimônias e cultos.
A Antiguidade Clássica foi marcada pela expansão de impérios intercontinentais e avanços agrários, fatores que, em conjunto, levaram ao crescimento na disponibilidade de bebidas alcoólicas: os efeitos negativos causados pelo abuso de vinho se encontram presentes em textos de Platão, onde aconselha casais a evitar seu consumo na noite de núpcias pois o feto concebido nasceria deficiente.
Uma discussão de nuances
As definições modernas de veneno, droga recreativa ou remédio não se aplicam a povos que dependiam exclusivamente da disponibilidade sazonal para plantar e produzir essas substâncias, e somente a dosagem utilizada determinava a interpretação acerca da aceitação ou proibição delas no âmbito social.
A Sharia (conjunto de Leis Islâmicas) proíbe que os fiéis muçulmanos fiquem intoxicados de álcool (khamr) e, desde as revelações do profeta Maomé, governos islâmicos que adotam o Alcorão como jurisprudência possuem o costume de proibir (haram) a ingestão dessas bebidas.
Apesar disso, essas mesmas sociedades toleravam, em diferentes níveis, o uso de haxixe para fins medicinais, terapêuticos e até mesmo recreativos, considerando seu uso permitido (halal).
Dois pesos, duas medidas
Um bom exemplo para compreender como o cerceamento do acesso a drogas pode ser aplicado de forma parcial ocorreu nas colônias da Inglaterra no século XVIII.
Os 13 Estados, que hoje são os Estados Unidos da América, eram colônias agrícolas divididas entre pequenas propriedades de plantio de subsistência e grandes plantações (como de tabaco e chá) com o objetivo comercial.
O Império Britânico, visando superar a crise gerada por anos de guerra contra a França, instituiu o Tea Act de 1773 no intuito de movimentar a economia imperial, banindo a exportação do chá americano e forçando a compra do chá importado pela Companhia Das Índias Orientais (organização de comerciantes londrinos).
Essas sanções, que resultaram na Guerra de Independência e na volta da democracia ocidental depois de 2000 anos, são uma amostra de como o capitalismo deliberadamente molda as relações seculares existentes com esses produtos a fim de garantir que todo lucro gerado tenha origem regulada pelo Estado.
Os avanços tecnológicos vividos no início do processo de globalização expandiram a capacidade de produção e refinamento dessas substâncias, expondo populações inteiras a quantidades industriais e cada vez mais viciantes de plantas que antes eram utilizadas de forma tradicional e esporádica.
A China, Império extremamente populoso, sofreu com uma pandemia no consumo de ópio e, entre 1757 e 1839, a exportação britânica da droga para o território chines passou de 1.000 caixas (77 kg cada) para 35.000, representando um crescimento de 3500%.
O declínio social causado por esse aumento fez o Imperador Daoguang ordenar a proibição, confisco e destruição de todas as caixas de ópio no reino.
O prejuízo gerado por essa ação fez com que lobistas ingleses obrigassem o Império Britânico a declarar guerra (foram duas, no que hoje são chamadas de Guerras do Ópio) contra o Império Chinês.
Os conflitos, que tiveram o lado europeu como vencedor, forçaram a Dinastia Qing a legalizar novamente o ópio na China, afundando a população nativa em décadas de crise humanitária, revoluções, milhões de mortes e êxodos em massa.
Tempos modernos, novos motivos
A extrema pobreza das grandes cidades modernas gerava o ambiente perfeito para proliferação de doenças ligadas ao vício, e o intercâmbio cultural vivenciado pela emigração dessas etnias acabou espalhando a pandemia de ópio em territórios ocidentais.
Agora o problema assolava os filhos e filhas dos comerciantes ingleses, que se misturavam às classes trabalhadoras e aos chineses nos antros de ópio. O ato de fumar ópio, diretamente associado aos orientais, logo foi demonizado e considerado um comportamento imoral, abrindo uma prerrogativa Legal para prisões e controle direto sobre as classes mais pobres (uma espécie de embrião da Guerra às Drogas), enquanto outras formas de consumo, como ingestão, eram permitidas.
As primeiras ações internacionais para proibir de vez um entorpecente partiram da Liga Anti-ópio, formada por missionários cristãos. Dados de médicos que atuavam na China foram coletados e publicados em um documento chamado Opinions of Over 100 Physicians on the Use of Opium in China (Opinião de Mais de 100 Médicos Sobre o Uso de Ópio na China), que ficou conhecido como a primeira campanha anti-drogas baseada em princípios científicos.
O impacto gerado pela publicação conscientizou governos ao redor do mundo sobre o quão rápido o tecido social podia se rompersob os riscos do acesso ilimitado a narcóticos. O movimento global para restringir o tráfico de ópio logo se tornou um motivo para a perseguição de outros entorpecentes.
Outros motivos contemporâneos
O começo do século XX nos EUA foi marcado pela institucionalização de políticas públicas de combate às drogas.
Os centros urbanos, inchados pelas promessas de trabalho, se tornavam cada vez mais caóticos e violentos, espalhando o medo de revoltas e levantes populares nas lideranças do país, que passaram a criar narrativas racistas semelhantes às do ópio com os chineses, associando o uso de tóxicos em salões e bairros operários aos mexicanos e afro-americanos.
A proibição do álcool (1920 – 1933) e da cannabis (Marihuana Tax Act de 1937) serviram para aparelhar o Estado com forças de repressão policial, em atos antidemocráticos que sistematicamente ignoravam soluções científicas para lidar com o problema, buscando no encarceramento em massa uma forma “aceitável” para substituir a limpeza étnica que esses povos “indesejados” sofriam anteriormente.
O que parecia um ponto final sobre a questão foi inesperadamente subvertido quando movimentos de contracultura nos anos 50, 60 e 70 resgataram a maconha, e tantas outras drogas, nas experiências do cotidiano.
O crescimento dos meios de comunicação e a contestação dos valores pregados no pós-guerra levaram jovens universitários, em sua maioria caucasianos, a assumirem o palco da discussão sobre drogas, gerando pânico nos pais e líderes de comunidades de moral predominante cristã.
Apesar das intenções de aumentar as liberdades individuais, o gatilho gerado pelo resgate desses costumes fez com que a política de Guerra às Drogas se tornasse o regime padrão ao redor do mundo.
Num revival das atitudes imperialistas dos anos 1800, os EUA influenciaram o resto do mundo nessa luta sem resolução, intensificando de maneira nunca antes vista os investimentos para combater a produção, venda e consumo de entorpecentes, inaugurando uma nova era de opressão às culturas historicamente associadas aos males gerados pelo capital.
Esse é o ponto que nos encontramos hoje em dia e, apesar do panorama futuro indicar formas mais honestas de encarar a questão das drogas, esse texto busca esclarecer uma coisa: não existe somente um motivo para a proibição ou legalização dessas substâncias.
Hoje podemos analisar essa história e ver como ela se repete, garantindo a rara oportunidade de estar um passo à frente da opressão, seja ela individual ou coletiva, nos permitindo anteceder esses movimentos obscurantistas e organizar formas para combater as batalhas de amanhã.
Sobre o Autor:
Meu nome é Carlos Eduardo, paciente de Cannabis Medicinal e sócio fundador da Cultlight, empresa especializada em iluminação para horticultura e cultivo indoor. Pra quem já me conhece do Instagram ou do YouTube, eu sou o Cadu da Cultlight. Sou Engenheiro de Produção formado na Universidade Federal Fluminense (UFF), onde pesquiso sobre de Cannabis, cultivo, produção e autoprodução, principalmente com o foco medicinal. Te convido a acompanhar nossos conteúdos nas redes sociais para ter acesso a mais dicas e conteúdos técnicos gratuitos sobre cultivo de maconha!
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